sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Coitado do capeta...

Dia desses, ao comparecer a uma repartição pública para pegar um documento, fiquei espantado com a falta de sabedoria de um irmão. Depois de uns vinte minutos procurando o ofício (e sem encontrar), o rapaz começou a dizer que “o inimigo estava furioso”. Que o sumiço do documento só podia ser “coisa do diabo”. Que o capeta estava trabalhando para tirar “a paz dele”. Ao que tudo indica, para esse rapaz e para inúmeras outras pessoas, mesmo sendo filho de Deus e lavado pelo sangue de Cristo, o ser humano pode ser tocado pelo cão.

Pastor Pedro Chagas, da Igreja Batista Lindinópolis, vem refletindo sobre esse tema (e outros correlatos) há algum tempo. Ele não se cansa de lembrar que o diabo e seus demônios não podem absolutamente nada contra os filhos de Deus. Assim, se algo de ruim (do nosso ponto de vista) nos acontece, foi porque o Senhor quis que acontecesse. Ou para nos (re) aproximar Dele, ou para nos ensinar alguma coisa, ou para nos livrar de algo muito pior.

Durante a tentação de Jesus, podemos ler na Bíblia o seguinte: “E o Espírito (de Deus) o impeliu para o deserto para ser tentado pelo diabo”. Tá lá em Mateus 4, a partir do versículo 1. Não foi o inimigo que conduziu Jesus para um dos momentos mais difíceis de sua vida (quem é ele...). Foi Deus. E o conduziu para aquele embate (plenamente vencido por Jesus) para que a missão divina de Seu Filho na Terra tivesse êxito, fosse coroada pela vitória.

O que aconteceu naquela repartição pública se reproduz, em maior ou menor escala, em diversos momentos da vida de quem ainda não entendeu que o diabo não tá com essa bola toda. Aquele rapaz e tantos outros deveriam por na conta do capeta aquilo que, de fato, lhe cabe. Entretanto, acabam debitando tudo, absolutamente tudo na já comprida lista de maldades do orelhudo. Se o sujeito entra numa curva a 120 quilômetros por hora, vira o carro e se arrebenta todo, a culpa é do capeta; se negligencia o trabalho e depois fica desempregado, a culpa é do capeta; se deixa o casamento em 10º plano e depois vê o divórcio bater à porta, a culpa é do capeta; se não administra bem as finanças, gastando mais do que ganha, e depois fica todo endividado, a culpa é...claro...do capeta. Conheço pessoas que culpam o capeta até quando o time preferido perde ou quando falta energia na hora da novela “Caminho das Índias”.

Debruçado sobre o mesmo tema, o Pastor Ricardo Gondim assevera: “dá para compreender tanta importância. Como se levantaria tanto dinheiro nas igrejas se o Capeta não fosse a estrela do show da fé? Como televangelistas inculcariam pavor nas pessoas se o Coisa-Ruim não fosse tão medonho? Como as poderosas multinacionais da fé subsidiariam seus projetos se o Demo não adquirisse tanta força? Confesso. Tenho medo de uma religião em que o mal se torna o pivô da espiritualidade. Fico apreensivo com uma fé que não pode prescindir de ameaças e arredio com uma ética constrangida pela possibilidade de Satanás ter direitos legais para arrasar as pessoas que erram”.

O fato é que, naquela repartição pública, ao assistir aquela cena lamentável, fiquei com uma vontade imensa de dizer: “meu amigo, o diabo não tem nada a ver com isso. Se você não fosse tão desorganizado, se trabalhasse com um mínimo de critério, já teria encontrado o documento (que, diga-se de passagem, estava dentro de uma gaveta, entupida de papel e revista velha).

2 comentários:

Éverton Vidal disse...

É verdade, o mal tem sido colocado como o pivô da espiritualidade (gostei dessa frase do pastor Gondim). Minha mäe, por exemplo, era muito disso, e fiquei muito contente quando da última vez que estive em Manaus ela me mostrou os últimos pensamentos que estava pensando acerca do mal e da soberania de Deus. Percebi que ela estava perdendo aquela supervalorizaçao do mal.

É questao de ensinar o certo, o problema é que o meio evangélico está muito impregnado de livros e líderes que exageram na importância do Inimigo.

Jeanne disse...

É muito mais cômodo para o homem atribuir a outrem seus próprios erros do que assumi-los, o que levaria não só a uma dolorosa reavaliação como uma trabalhosa mudança. Desde a Queda Original o ser humano procura um bode expiatório para carregar suas falhas e deficiências e desde então segue colocando na conta do diabo as consequências das suas atitudes mal pensadas e cometidas em total independência de Deus.