Ela viveu como todos nós, cristãos, deveríamos viver: concentrada muito mais em aliviar o sofrimento alheio do que em promover o seu próprio bem-estar. Por fim, no episódio derradeiro de sua existência, morreu trabalhando, morreu ajudando, morreu transformando. Independentemente de suas crenças, ela foi uma pessoa absolutamente especial. Alguém que, sem dúvida alguma, fez a vida valer a pena. Como bem disse Hermes Fernandes: "Que seu exemplo de amor e solidariedade possa despertar a consciência de muitos, religiosos ou não, católicos, evangélicos ou de qualquer outro credo, pois onde houver amor, ali haverá sempre um exemplo a ser seguido". A seguir, uma pequena homenagem a Zilda Arns, que faleceu esta semana no terremoto do Haiti. Em função de minha antipatia por homenagens póstumas, preferi colocar uma (feita em 27 de novembro de 2008) que certamente foi vista por ela.
A médica Zilda Arns Neumann, 75 anos, coordenadora da Pastoral da Criança e três vezes indicada ao Prêmio Nobel da Paz pelo Brasil, foi inspirada a iniciar seu trabalho em 1982, depois que um membro das Nações Unidas incumbiu seu irmão, o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, de promover a redução da mortalidade infantil no país.
Formada em medicina e com especializações em educação física e pediatria, o trabalho de Zilda com crianças começa no Hospital Cezar Pernetta, na capital paranaense, entre 1955 e 1964. Depois de trabalhar em outras instituições, ela reforça seus laços com os jovens e com a Igreja - também graças ao irmão cardeal, ícone da luta contra o Regime Militar (1964-1985) e, desde o início, um dos maiores advogados das ações da Pastoral.
Pouco depois da fundação da Pastoral da Criança, ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), chegou o apoio do Unicef, agência da ONU que apóia técnica e financeiramente projetos e ações pela sobrevivência, desenvolvimento e proteção de crianças e adolescentes.
Zilda levou a primeira ação da entidade a Florestópolis, no Paraná, onde o índice de mortalidade chegava a 127 mortes a cada mil crianças. Após um ano de atividade, o índice recuou para 28 mortes a cada mil nascimentos. O sucesso incentivou a Igreja a expandir a Pastoral da Criança para todos os Estados do país. A Pastoral estima que cerca de 2 milhões de crianças e mais de 80 mil gestantes sejam acompanhadas todos os meses pela entidade em ações básicas de saúde, nutrição, educação e cidadania.
Zilda Arns coordenava 155 mil voluntários, presentes em mais de 32 mil comunidades pobres. "Trabalhamos com alfabetização, que é um fator importante na campanha para a paz. Ela começa com a educação das crianças, trabalhando a auto-estima em geral, com reuniões de reflexão na comunidade. Ensinamos as líderes a ouvir as famílias e identificar sinais de violência dentro de casa", explicou certa vez a médica durante uma entrevista.
O trabalho de Zilda Arns serviu de modelo para vários países, como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau; Timor Leste, Filipinas, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Argentina, Colômbia, Uruguai, Equador e México. Em algumas dessas nações, a própria médica ministrou cursos sobre como estruturar as ações. Em 2008, Zilda participou da instituição da Pastoral da Criança Internacional, no Uruguai. Entre os fundadores estão os cardeais arcebispos Dom Geraldo Majella Agnelo, de Salvador, e Dom Odilo Pedro Scherer, de São Paulo, entre outros líderes religiosos e da sociedade civil.
Além do trabalho reconhecido mundialmente com as crianças, Zilda também era fundadora e coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa, fundada em 2004. A entidade visa capacitar líderes locais para ajudar idosos a controlar as vacinas, evitar acidentes domésticos e identificar doenças físicas e emocionais.
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